segunda-feira, 16 de abril de 2012

‘Homofobia deve ser tratada como racismo’

Fonte: Fora do Armário e O Diário


Luiz Mott, decano do movimento homossexual brasileiro, antropólogo, professor-doutor e fundador do Grupo Gay da Bahia, diz que 90% dos gays brasileiros não assumem a homossexualidade. Um dos motivos é o medo do preconceito e da homofobia. Outro, a violência e crimes de morte que vitimam as minorias sociais, especialmente os homossexuais.

Fotos/Rafael Silva



Para o antropólogo é possível acabar com a homofobia no Brasil. Entre as propostas, ele diz que é preciso equiparar a homofobia ao crime de racismo. É preciso também que a comunidade Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transsexuais (GLBT) saia do armário.

Defensor da igualdade civil e social para os homossexuais, o professor Mott critica o governo federal por não criar mecanismos de combate aos crimes homofóbicos.

Na avaliação dele, o posicionamento da presidente Dilma Rousseff (PT) é desastroso na questão homossexual. Mott diz ainda que Brasil é um País de contrastes, com um lado cor de rosa e outro vermelho sangue. Mott, 65 anos, é fundador do Grupo Gay da Bahia, licenciado em Ciências Sociais pela USP, com mestrado em Antropologia na Sorbonne University, doutorado na Unicamp, autor de mais de 20 livros e 200 artigos . Na última quarta-feira, ele participou do I Congresso de Diversidade Sexual de Maringá.

Em entrevista a O Diário, ele fez uma análise da situação dos homossexuais no País.

O DIÁRIO - Como o senhor avalia a situação dos homossexuais em relação a outros grupos? 

LUIZ MOTT - Os homossexuais representam aproximadamente 16% da população brasileira: sendo 10% de gays e 6% de lésbicas, de acordo com o Relatório Kinsey. Já que não existem estatísticas oficiais dos Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), temos que nos basear em outras pesquisas, como esse relatório.
Apesar de representarmos 32 milhões de habitantes no Brasil, ainda somos o grupo social mais discriminado, porque enquanto as outras minorias, como os negros e deficientes físicos, recebem, dentro de casa, o apoio e a capacitação para enfrentar o preconceito no mundo exterior, os gays, lésbicas e travestis, quando são descobertos, geralmente são expulsos de casa, sofrem discriminação.
Apesar de representarmos um contingente tão importante, ainda considero que 90% das lésbicas, gays, bissexuais e transsexuais vivem no armário, com medo, vítimas do que chamamos de homofobia internalizada. Vivem na clandestinidade.

O senhor lançou a campanha "Bandeira Toda Hora: Faça Apologia da Homossexualidade" em janeiro passado. Qual a sua avaliação, quase quatro meses depois do lançamento?
Essa campanha do Grupo Gay da Bahia, que é o mais antigo com 32 anos de existência no Brasil e do qual sou o fundador, luta contra o preconceito e a homofobia, estimula os gays e lésbicas para que saiam do armário e para que, cada vez mais, a sociedade conviva com a diversidade.
Nós não queremos privilégios: direitos iguais, nem menos, nem mais. Então, essa campanha é uma forma de contrapor toda essa violência, essa homofobia que é fortíssima no Brasil.

Por que fazer apologia e propaganda da homossexualidade?
Porque não é crime. A homossexualidade não consta em nenhum código penal, nenhuma lei proíbe o exercício da homossexualidade a partir dos 14 anos, que é a idade que o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece como limite para o exercício da sexualidade. Então, é apenas o preconceito e a ignorância que levam as pessoas a terem tanto medo e a se esconderem no armário.

Como o senhor avalia o Brasil em relação aos homossexuais?
O grande problema do Brasil é a contradição. Um País ao mesmo tempo tão cor de rosa, que tem a maior parada gay do mundo, a maior associação de gays e lésbicas, um País em que os gays, travestis e lésbicas fazem parte da sociedade em todos os níveis, apesar de até agora haver a proibição de um beijo gay em novela da principal rede de televisão, esse é o lado cor de rosa. Mas temos o lado vermelho sangue, representado pela violência máxima que são os assassinatos. A discriminação contra os homossexuais vai desde insultos, impedindo a entrada em lugares públicos, a proibição de carinho em público e até a violência física, tortura e assassinatos.

O Brasil, em 2011, registrou 266 assassinatos documentados através da mídia, portanto são números incompletos, certamente esses números são maiores. Somente nos três primeiros meses de 2012, o Grupo Gay da Bahia, através de seu banco de dados, já documentou 111 assassinatos, o que dá uma média de uma morte a cada 21 horas. Nunca antes na história do Brasil houve tanta violência, tantos assassinatos como atualmente.

Lastimamos que o governo federal, sobretudo no governo Lula, que teve tantas manifestações verbais, tantos projetos de defesa da igualdade cidadã para a população GLBT, infelizmente esse governo não está acertando em suas políticas públicas, sobretudo nos últimos dois anos em que o número de assassinatos de homossexuais aumentou 113% no Brasil. Metade dos assassinatos de homossexuais em todo o mundo acontece no Brasil.

Mata-se aqui mais do que nos países onde há pena de morte para os homossexuais. E como explicar isso? Lastimavelmente, é o lado vermelho sangue da nossa cultura extremamente violenta em que há um aumento expressivo de assassinatos em geral e que se reflete sobretudo na população mais vulnerável, no caso os homossexuais, negros, etc...

O senhor tem criticado o governo federal. Por quê?
Existe boa vontade, tanto por parte do Lula quanto do Partido dos Trabalhadores (PT), mas lastimavelmente tem sido desastroso o posicionamento da presidenta Dilma em relação à questão homossexual. Primeiro, por ter proibido o kit anti-homofobia que tinha sido aprovado pelo Conselho Federal de Psicologia, pela Unesco e seria distribuído em seis mil escolas, capacitando mais de seis milhões de jovens. Por puro preconceito, por pressão de evangélicos fundamentalistas, foi vetado. Recentemente, no carnaval, outro veto ao filme de prevenção da aids destinado a gays, também fruto da homofobia governamental.

Ministros e políticos próximos ao governo têm tomado posicionamentos também homofóbicos. O próprio Aluísio Mercadante criticou o kit anti-homofobia. O senador Lindbergh Farias (PT-RJ), apoiou o pastor Silas Malafaia que vem atacando sistematicamente os direitos humanos dos homossexuais, de modo que o governo atual não está sequer realizando o que foi determinado no Plano Nacional de Direitos Humanos 2, idealizado em 2002, que obrigava o governo a criar um banco de dados sobre crimes homofóbicos e a fundar um conselho e uma coordenadoria visando à promoção de ações afirmativas para essa população.
Nada disso foi feito. Eu insisto em dizer: o que a população homossexual exige não são privilégios, são direitos iguais. Não queremos nada mais que a equiparação da homofobia ao crime de racismo. Ou seja, se o insulto contra um negro é um crime inafiançável, não há razão para que um insulto ou uma violência contra homossexuais não seja tratado com o mesmo nível de repressão.

Como acabar com o preconceito no Brasil?
Apesar de ser difícil a mudança de mentalidades, é possível. Há muitos exemplos históricos de países e sociedades que eram extremamente preconceituosos em relação a mulheres, negros, índios, homossexuais e que, através de legislação e de políticas públicas, se modificaram, vieram para o lado do bem.
Quatro medidas são propostas para erradicar a homofobia no Brasil. Primeiro, a aprovação de leis que garantam a igualdade cidadã para os homossexuais. Sobretudo a equiparação da homofobia ao crime de racismo. Em segundo lugar, a educação sexual em todos os níveis escolares para ensinarem aos jovens, às novas gerações, a respeitarem a diversidade sexual, a erradicar de seu pensamento atitudes de intolerância, de violência, de homofobia, inclusive a liberação do kit anti-homofobia.

Em terceiro, que a Justiça e a polícia sejam rigorosas na apuração e julgamento de crimes contra os homossexuais, porque a impunidade provoca novos crimes. Em quarto, um apelo para a comunidade GLBT, para que saiam do armário, afirmando sua identidade homossexual e homoafetiva. Para que gays e lésbicas evitem situações de risco, sobretudo gays e travestis que são as principais vítimas da violência.

* A matéria em questão é de inteira responsabilidade dos seus criadores, assim como seu crédito total.

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