sábado, 21 de abril de 2012

São João del-Rei tem pré-candidato gay a vereador

Fonte: Mix Brasil

Carlos Bem é militante em defesa dos direitos humanos, principalmente os LGBt, na cidade mineira de São João del-Rei, considerada por ele muito homofóbica devido ao conservadorismo religioso. Após articular três campanhas políticas para outros candidatos, nas Eleições 2012 ele pretende chegar à Câmara Municipal da cidade.

Pré-candidato a vereador pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Carlos vai usar sua experiência à frente do Movimento Gay da Região das Vertentes (MGRV) e muita “sola, sapato e saliva” para ganhar votos. “Conquistamos vários avanços em termos de legislação. Mas, nas políticas públicas estamos abandonados. A única ação da prefeitura está na prevenção da AIDS”, revela na entrevista a seguir:

É a primeira vez que você se candidata?Sim, é a primeira vez, contudo, já trabalhei na articulação de campanhas nas eleições de 2006, 2008 e 2010, o que contribui para amadurecimento e experiência no planejamento. Sou pré-candidato. As prévias do meu partido, PT – acontecem até junho, onde se decidirá pela chapa de candidatos a vereador.

Por que decidiu se candidatar?Nossa cidade, São João del-Rei, tem avançado significativamente no campo dos direitos da população LGBT. Isso se deve à luta do movimento organizado. Contudo, ainda temos de avançar no campo dos direitos humanos de forma geral. Ao longo dos anos construímos um trabalho e uma pauta de reivindicações local no campo da defesa e promoção dos direitos humanos das mulheres, LGBT, pessoas vivendo com HIV/AIDS, pessoas com deficiência, juventude e população negra, sendo que pouco ou em quase nada houve avanços concretos. É preciso organizar ainda mais a sociedade nos seus diversos segmentos. Ter um vereador com o compromisso de falar, discursar, fazer projetos de lei e fiscalizar o poder executivo de São João del-Rei nessa área dos direitos humanos é fundamental. Além disso, nossa candidatura é com o compromisso ampliado. Não só em defesa dos homossexuais. Essa pauta já é o nosso dia-a-dia. Antes de ser gay, sou um cidadão sãojoanense que sofre, como uma grande parcela da população, com a ausência de ações na limpeza urbana, o caótico trânsito da nossa cidade, o aumento abusivo no valor do transporte coletivo, a falta de água na torneira de casa fruto de uma gestão amadora do sistema de distribuição da água em nossa cidade, entre outros problemas estruturais. Para além dessas questões sou jovem e estudante. Nesse campo as dificuldades são imensas. Com a expansão da universidade (hoje com cerca de 9 mil estudantes em São João del-Rei) o valor do aluguel explodiu, o valor do transporte coletivo aumentou significativamente. Quem sofre com essas questões não são só os estudantes, mas também toda a população da cidade. As dificuldades oriundas da ausência de políticas de juventude na estrutura institucional do Poder Executivo é um desafio que precisa ser superado através de representação e um sistemático debate feito no Legislativo. Diante de todas estas dificuldades recebemos uma demanda de diversos líderes comunitários dispostos a construir uma candidatura nova, com um jovem atuante na nossa cidade. Com essa demanda avaliamos a possibilidade e colocamos nosso nome e nosso histórico de luta a disposição para lutar pelos interesses da população local. 

Os LGBT precisam de representação política, por quê?Sim. Primeiro porque o verdadeiro compromisso com nossa dignidade, com nossa vida passa pelo que sentimos na pele. Temos assistido no Congresso Nacional uma verdadeira vergonha em relação aos direitos LGBT. Os que se dizem aliados, de fato, não atuam em defesa da cidadania LGBT. O fundamentalismo religioso cresce progressivamente, enquanto a comunidade gay ainda engatinha na consciência política. Por isso, só ser LGBT não é suficiente. É preciso ter um histórico de compromisso e luta pelos direitos LGBT. Quem dá a cara a tapa numa cidade conservadora, histórica, religiosa e tradicional do interior de Minas Gerais e conquista muitos avanços para um grupo tradicionalmente discriminado e excluído, tem plenas condições de ampliar a pauta de atuação e lutar por questões mais amplas. Nesse sentido, a comunidade gay precisa de representantes sim, uma vez que é no Legislativo que muitas informações privilegiadas circulam, é onde você tem a possibilidade de ter acesso e negociar a implantação de políticas públicas em prol dos direitos humanos. Se não temos representantes lá... quem vai lutar pela nossa dignidade? Acredito que temos de avançar. As Paradas LGBT foram bacanas para dar visibilidade. Agora já temos. É a hora de termos força política. Os homossexuais e simpatizantes que participam das Paradas precisam votar em candidatos ligados ao movimento gay, mesmo que por algum motivo não gostem desses candidatos. Só assim nossa sociedade vai se transformar para uma menos intolerante e discriminatória.

O que pretende fazer nestes próximos quatro anos se for eleito?Construir um mandato participativo. Sem ouvir a população em sua diversidade fica muito difícil pensar projetos de lei que, de fato, contemplem a população. Fiscalizar as políticas públicas com ênfase na saúde e cultura. Além disso, lutar fortemente pela criação da secretaria municipal de direitos humanos com coordenadorias de políticas para negros, LGBT, mulheres e juventude.

Existem projetos que você quer levar à Câmara? Quais?Com diálogo queremos que o Executivo envie um projeto de lei para criar a Secretaria Municipal de Direitos Humanos, com coordenadorias de políticas para segmentos da população mais vulneráveis à violação de direitos. Essa é a nossa principal bandeira de luta. Pensar na reestruturação da Câmara Municipal dando, de fato, independência do Legislativo em relação ao Executivo. Vou lutar pela transparência na Câmara. Para isso, nossa Câmara precisa de um CNPJ, precisa administrar suas finanças sem depender de favores do serviço contábil da prefeitura. A partir disso, definir o organograma das funções/servidores necessários para o bom funcionamento do Legislativo e, considerando o orçamento da casa, realizar concurso público para contratação efetiva desses profissionais. Entendo que, somente desta forma, será possível um Legislativo independente e sem amarras ao Poder Executivo. Com plenas condições para fiscalizar o prefeito e os secretários sem se permitir troca de favores e interesses.

Como é o cenário da diversidade sexual em SJDR atualmente? A cidade é tolerante?A cidade apresenta um cenário preocupante nessa temática. Conquistamos vários avanços em termos de legislação. Mas, nas políticas públicas estamos abandonados. A única ação da prefeitura está na prevenção da AIDS. Ainda estamos muito atrasados e acredito que a homofobia institucional contribui muito pra isso. É preciso pensar que nosso turismo e cultura movimenta mais de 1 milhão de reais no dia da parada LGBT, mas a prefeitura não investe um centavo na estrutura da parada. A cada 15 dias um homossexual é discriminado em São João del-Rei. Pelo menos um é assassinado por homofobia na nossa cidade todos os anos. As formas mais comuns de casos de discriminação são agressão física e verbal. Uma pesquisa feita na parada em 2010 apontou que 70% dos LGBT já sofreram agressão física, verbal, psicológica, chantagem, ameaça e extorsão. Menos de 10% deles denunciaram a discriminação que sofrem. Acredito que essa situação seja cotidiana em nossa cidade que a despeito de ser muito conservadora e religiosa, além da característica interiorana contribui muito para o silêncio diante da discriminação.

Um vereador gay poderia ajudar na luta contra o preconceito? Como?Sem dúvidas. Da mesma forma que temos coragem para defender os homossexuais, teremos coragem para defender a população que sofre com todo tipo de discriminação todos os dias. Só quem já foi discriminado por ser pobre, negro, homossexual, deficiente, portador do HIV, sabe a dor e o sofrimento que isso significa. Ao longo de cinco anos à frente do movimento LGBT enfrentamento muitas situações, muita gente poderosa, muita gente homofóbica. Mas, resistimos a tudo isso e avançamos. Como vereador avançaremos ainda mais e o melhor: avançaremos não só pelos direitos dos homossexuais, mas de toda a população que está abandonada pela falta de compromisso político com os direitos humanos em nossa cidade.

Onde você pretende buscar votos? Usando qual estratégia?Tem um tripé que gosto muito: sola, sapato e saliva. Não tem outra forma. Contar com o apoio das pessoas que acreditam numa São João del-Rei melhor para se viver. A estratégia é conversar muito com a população e pedir, pedir muito apoio para construirmos um novo projeto de sociedade que queremos.

Você acredita que o LGBT vota no candidato LGBT?Acredito que vota se o candidato LGBT for um bom nome que construa a candidatura com apoio da comunidade gay. Essa conversa com a população LGBT local precisa ser constante. Se o eleitor LGBT consegue colocar na balança a realidade da cidade antes de ter movimento gay organizado e comparar com a situação que temos hoje, já é um bom começo para ganhar a confiança desse eleitor. Eu acredito que a comunidade gay de São João del-Rei é bastante crítica e politizada. Acredito que parte dela vai confiar e votar, outra parte não vai. Faz parte da democracia e toda unanimidade é burra. Lembrando que não basta votar só porque é LGBT, é importante votar porque é um candidato que tem plenas condições de continuar construindo um projeto de sociedade que respeite os direitos humanos.


* A matéria em questão é de inteira responsabilidade dos seus criadores, assim como seu crédito total.

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