O assassinato da travesti Dandara Kataryne, de 42 anos, em Fortaleza, é a ponta de um iceberg de uma população que vem sendo dizimada pelo ódio e pelo preconceito. Monitoramento da Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil (Rede Trans Brasil) aponta que, apenas neste ano, 25 travestis e transexuais foram assassinados no país. Assim como Francisca Vasconcelos, mãe de Dandara, Erivanda Jorge Moreira, de 43, sabe o tamanho dessa dor. Em 2013, Poly, com 20 anos, partiu. “Ela saiu para a 'esquina' e a acharam morta. Era um homem que perseguia viado. Abusou dela e depois matou com um gargalo de garrafa”, conta Erivanda, com camisa estampada com a foto da filha, em protesto por causa de Dandara. “Ele não foi preso”, diz, ao lado de dona Francisca.
Segundo outro levantamento, do Grupo Gay da Bahia (GGB), mais antiga associação de defesa dos homossexuais e transexuais do Brasil, aponta que 2016 foi o ano com o maior número de assassinatos da população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais) desde o início da pesquisa, há 37 anos. Foram 347 mortes. Minas Gerais ocupa o quinto lugar nesse ranking, com 21 mortes. São Paulo lidera a lista, registrando 49 assassinatos. Mas o próprio GGB ressalta que os números são subnotificados, já que faltam estatísticas oficiais.
O relatório é feito com base em notícias e informações que chegam ao conhecimento do grupo. A população de travestis e transexuais correspondeu a 42% das mortes, num total de 144 vítimas. De acordo com a organização, as pessoas trans são as mais vitimizadas. O risco de elas serem assassinadas é 14 vezes maior em relação a gays. “Antes do assassinato de Dandara, aconteceram muitos casos tão cruéis quanto e os marginais estão soltos. Estamos cansadas de ser massacradas”, afirma a presidente da Associação de Travestis do Ceará, Tina Rodrigues, que ressalta que as trans vivem a violência e a discriminação no cotidiano.“Vamos para a escola e ninguém quer a gente lá, nem os alunos, nem os professores”, diz, na cobrança por mais oportunidades.
A crueldade e repercussão da morte de Dandara, gravada em vídeo que circula nas redes sociais, joga luz sobre o combate à transfobia. Em todo o país, grupos LGBT cobram do poder público a aprovação de projetos e políticas sociais que garantam os direitos dessa população marginalizada. O caso também ganhou visibilidade internacional e atraiu para a periferia de Fortaleza equipes de TV e de jornais dos Estados Unidos e da Europa. A principal das lutas entre os militantes no Brasil é a criminalização da transfobia e da homofobia.
Depois de oito anos em tramitação, o projeto de lei da Câmara dos Deputados (PLC 122/06) que dispõe sobre o tema foi arquivado em 2014, sem conseguir aprovação. O texto define crimes resultantes de discriminação ou preconceito de gênero e orientação sexual e encontra resistência, sobretudo, entre parlamentares da bancada religiosa. “Esse preconceito faz parte das estruturas sociais, marcados pelo machismo e o patriarcado. Até agora não vimos nada, nenhuma medida estruturante que nos reconheça como sujeitos de direito”, afirma o coordenador de projetos do Grupo de Resistência Asa Branca (Grab), Dário Bezerra, um dos mais antigos grupos LGBT do Brasil.
Depois de oito anos em tramitação, o projeto de lei da Câmara dos Deputados (PLC 122/06) que dispõe sobre o tema foi arquivado em 2014, sem conseguir aprovação. O texto define crimes resultantes de discriminação ou preconceito de gênero e orientação sexual e encontra resistência, sobretudo, entre parlamentares da bancada religiosa. “Esse preconceito faz parte das estruturas sociais, marcados pelo machismo e o patriarcado. Até agora não vimos nada, nenhuma medida estruturante que nos reconheça como sujeitos de direito”, afirma o coordenador de projetos do Grupo de Resistência Asa Branca (Grab), Dário Bezerra, um dos mais antigos grupos LGBT do Brasil.
A dor da discriminação é o que faz Lohaynne Sulamyta, de 20 anos, ir às ruas lutar por direitos LGBT.“Sou travesti e mereço respeito”, cobra. Lohayne trabalha como profissional do sexo em Fortaleza e já esteve perto da morte. “Vi colegas sendo assassinadas do meu lado. Um homem xingou minha amiga na rua, ela respondeu e foi baleada”, conta. Lohayne, que chegou a conhecer Dandara, participou de ato público cobrando a punição dos assassinos da colega. “Ela era uma bicha que não fazia mal a ninguém, muito boa para a família dela”, lamenta.
LUTA POR NOME SOCIAL
A coordenadora executiva da Coordenadoria de Diversidade Sexual da Prefeitura de Fortaleza, Dediane de Souza, lembra que casos como de Dandara ocorrem no cotidiano. “Os assassinatos têm esse cunho do ódio”, diz. Além da criminalização, outra reivindicação é pela garantia do uso do nome social, que independe do nome civil e é como preferem ser chamadas as pessoas trans. “A todo momento temos que justificar a nossa existência”, afirma.
Desde 2013, tramita na Câmara projeto de lei para reconhecimento da identidade de gênero e uso do nome social. Em 2016, a então presidente Dilma Rousseff garantiu esse direito a servidores da administração pública federal. A morte cruel de Dandara já traz impactos positivos para a luta por direitos, pelo menos no Ceará.
Na sexta-feira, o governador do Estado, Camilo Santana, assinou decreto que permite às transexuais e travestis terem seu nome social respeitado nos serviços prestados no governo; decreto que autoriza o atendimento às transexuais e travestis nas 10 delegacias da Mulher no estado, além da inclusão de representantes do movimento LGBT nos Conselhos Comunitários de Defesa Social (CCDS).
DICIONÁRIO TRANS
Transexual
Termo genérico que caracteriza a pessoa que não se identifica com o gênero que lhe foi atribuído quando de seu nascimento.
Mulher transexual
Pessoa que reivindica o reconhecimento como mulher
Homem transexual
Pessoa que reivindica o reconhecimento como homem
Travestis
São as pessoas que vivenciam papéis de gênero feminino, mas não se reconhecem como homens ou como mulheres, mas como integrantes de um terceiro gênero ou de um não gênero. Preferem ser tratadas no feminino.
Fonte: Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e termos, de Jaqueline Gomes de Jesus e Estado de Minas